ARTIGO
NO LIAME ENTRE O PENSAR E O AGIR
J. M. Monteirás*
“Pensiero
non paga gabella,
cogitationis
poena nemo patitur”
Alguns colegas têm se manifestado sobre episódio recentemente noticiado. Os meus alunos me questionado do ponto de vista acadêmico.
Respondo-lhes, evidente, não se pune a vontade se ela estagnar-se antes do ato.
Respondo-lhes, evidente, não se pune a vontade se ela estagnar-se antes do ato.
Digo com clareza 'antes do ato', para que se atente à uma leitura exegética e não se
confunda com o que explanaremos a seguir, que aborda sobre a ação:
1.
O aluno não deve se esquecer do conceito de
relação de causalidade - Artigo 13 do Código Penal,
cuja letra assim diz: “O resultado, de que depende a existência do crime,
somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão
sem a qual o resultado não teria ocorrido”.
2. Bem como do conceito de superveniência
de causa independente cujo parágrafo primeiro do mesmo artigo 13 diz: “A superveniência de causa
relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o
resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”.
Então,
prosseguimos:
O
crime foi consumado? Ao menos, houve tentativa?
Não
foi consumado porque não ocorreu a reunião de todos os elementos de sua
definição legal, bem como define a letra do inciso I do artigo 14 do ordenamento penal em tela.
Para
isso, lembramos que o conceito de crime está para fato típico, antijurídico e culpável.
Assim
sendo, analisando-se o fato pela relação de causalidade, ainda pela superveniência
de causa relativamente independente exclui-se a imputação, afastando-se a
existência de consumação de crime.
Mas
não houve tentativa, mesmo?
Esta
também não ocorreu, porque sequer foi iniciada a execução, ou seja, o agente
não somente não apertou o gatilho, retroagindo da sua vontade, como também não ocorrera circunstâncias alheias à sua
vontade, mesmo porque ao que parece, por sorte não se notou a iminência de fato
tão desastroso ocorrer.
Para
maior clareza, o inciso II do artigo 14 do Código Penal, que dá a definição de
Tentativa:
II
- tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias
alheias à vontade do agente.
Mas
como ficamos?
Simples.
Juridicamente, o que aconteceu ali foi uma vontade frustrada pela desistência voluntária e arrependimento
eficaz do agente, cuja letra do artigo 15, sempre do
Código Penal, assim diz:
Art. 15 - O agente que, voluntariamente,desiste
de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde
pelos atos já praticados.
Então,
o agente deverá responder pelos atos praticados, certo?
Errado.
Já demonstramos que, voluntariamente, o agente desistiu da ação e, assim sendo,
não há que falar em resultado, vez que sequer ocorrera ato praticado que se
enquadre no conceito de crime, de cujo conceito já falamos inicialmente.
Em outras palavras, no caso concreto, a posse de arma de fogo pelo dono da vontade de agir em detrimento da vida do outro era lícita; não seria lícito a consumação do actum necandi, que não ocorreu, porque no liame entre a vontade e a consumação, o agente estagnou-se, retroagiu.
Em outras palavras, no caso concreto, a posse de arma de fogo pelo dono da vontade de agir em detrimento da vida do outro era lícita; não seria lícito a consumação do actum necandi, que não ocorreu, porque no liame entre a vontade e a consumação, o agente estagnou-se, retroagiu.
O
Direito Penal é cruel, é exato, nele não cabe achismo. Se o ato não se enquadra
em nenhum tipo penal, e aqui demonstrada a ausência de sequer tentativa,
entendemos não houve crime, mas, sim, uma vontade desastrada, impedida pela
força divina, para o bem da nossa República e da nossa Democracia.
Pois
bem, o brocardo latino “pensiero non paga gabella, cogitationis
poena nemo patitur” enquadra-se no que dizemos.
Em uma tradução nossa, que não foge muito da
corrente doutrinária, significa: “se a vontade do agente não se liberta, ou
seja, não se realiza o ato do animus
necandi, que é a vontade de matar, logo não há o que alcançar o Direito
Penal".
Temos demonstrado já somos um nação de juízo, exercemos a nossa
cidadania respeitando o ordenamento, as instituições constituídas e o pensamento ideológico de cada qual; mas com tal episódio, eis tempo de ampliarmos esse nosso exercício, porque é sempre assim que se pratica o Estado Democrático de Direito. A Democracia!
*O autor é advogado, Pós-graduado em Direito
Direito Material e Processual Penal pelo INEP, professor para segunda fase do
Exame de Ordem, escritor e palestrante. Não é filiado a nenhum Partido
Político.
jmmonteiras.blogspot.com
@dellarquim
@jmmonteiras
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