https://leitura.com.br/dellarquim-L030-9788590510819

27/09/2016

A NORMA NUA

                     
Norma ainda não estava nua, pelo contrário, revestida de uma beleza sem igual,  andava pela rua, em zigue-zague. Acabara de chover, mas um calor intenso insistia em sua natureza exposta.

Alguns curiosos a olhavam e gargalhavam.

Ora ela chorava de pesar, ora ela sorria de esperança... e continuava no seu andar em zigue-zague, em praça pública.

Aumentava cada vez mais o número de pessoas ao seu redor, mas Norma não se importava, pelo contrário: queria mesmo que todos a seguissem.

Até que por aí passava um advogado, esbaforido, suor a escorrer na face, gravata meio torta, paletó na mão, pasta na outra, há apenas cinco minutos do tempo que lhe restava para protocolizar o Recurso no qual acreditava porque com muito esmero o concluíra: ética, argumentação, fundamento e justeza.

Passou e a olhara apenas com rabo de olho, dera mais uns passos e repentinamente se voltara.

Ó senhora linda, também está aqui!

Norma lhe sorriu, ainda mais bela, e se achegaram.

Que bom reencontrá-la para o povo, vez que não somente eu a carrego comigo, disse-lhe o advogado. Em seguida, pôs a mão na pasta e acariciou o couro reluzente.

A multidão bradou:

Olha o doido! Agora são dois  doidos!

Foi quando o advogado rasgou de vez a roupa de Norma. E ela lhe abriu mais os braços e o abraço se tornara mais forte.

A maioria, extasiada, passara a aplaudi-los. Sobremaneira, pela coragem de estarem a praticar ato tão condenável pela parte incauta da sociedade hodierna (?).

Eles estão praticando um crime! Vamos prendê-los! Chamem a polícia! Bradou a minoria. 

A polícia chegou, mas incompreensivelmente para os presentes, passara também a aplaudir os dois supostos agentes de ilícitos. Ato contínuo, Norma sorria. E sorria e sorria... e os dois se amavam, muito mais, ela e o advogado, aí, mesmo.

O defensor do Direito olhava em seu relógio, mas não se desgrudava da mulher. Até que, após o devido ponto final, falou em seu ouvido: vem comigo, Norma! Colocou seu paletó sobre os ombros dela e caminharam para o destino dele.

Surgira do nada um uníssono, todo vestido de preto, com dentes reluzentes por conta do ouro, que assim bradou: Vou prendê-los no inferno!  Aqui, não servem pra nada! Vou prendê-los no inferno! Repetiu.

Não!!! Deixa ela livre!!!! Retratou-se a minoria.

Então, só vou prender ele, que não tem princípios! De Novo o uníssono.

O advogado, calmamente, argumentou:

Senhores policiais, sou advogado e só tenho trinta segundos para passar por aquela porta. E lhes apontou o Fórum. Prometo-lhes que depois da audiência de instrução, volto aqui e se assim entenderem ainda poderão me prender em flagrante! Mas sabem que sairei livre na audiência de Custódia.

Ao que os policiais, responderam em coro: flagrante, nada! Sabemos que os Doutores não esquecem os Princípios! Ademais, advogados devem mesmo comer as normas, mesmo em praça pública, Doutor.

Corta! Disse o diretor. Valeu, atores! Boa interpretação da Norma!

A cena foi pro ar na novela das nove e o acussado saiu solto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário