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26/12/2016

O DENODO DO PROCESSO PENAL


No processo penal há um denodo técnico e ético, entendido como legalidade, e a essencialidade do juiz, do advogado e do representante do Parquet apresentam-se também como na expressividade de três poetas raros, embora não podem somente ser poetas, visto estarem o primeiro como em diálogo com os mandamentos divinos e a sua consciência e saber e entre um em seu múnus de tecnicidade e justeza e não por atender o clamor da sociedade  — por vezes eivada tão-somente de paixão, que reside na ânsia por logo roçar flores presumidamente daninhas. Não deve ser assim —, mas pela nobre função custus legis e outro que por enxergar pureza até em espinhos, a exemplo das rosas, que somente os tem por se protegerem e para com seu perfume saciar as narinas esperançosas as rega e defende ainda nos jardins. De certo há uma beleza intrínseca entre esses três instrumentos essenciais, equânimes e respeitosos na busca da equidade, ou seja, por alcançar o melhor resultado. Isso é Processo Penal.

Absolutamente, não por querer eu justificar quaisquer atos ilícitos, mas apenas por conta de uma argumentação jus-filosófica, não se há de olvidar da relevância social negativa atual, não bom-exemplo até dos mais cultos e abastados, que influencia, portanto, o homem médio da nossa sociedade, carente de oportunidades, de ascensão profissional e social.

É assunto repisado que as nossas prisões tais como se encontram atualmente remetem às masmorras medievais, são objetos de mais violência e, por vezes, de decretações clamorosas, oriundas de veículos de comunicação e parte de uma sociedade na maioria sem tecnicidade jurídica. Eis que pensando-se assim não se ressocializa ninguém.

Com efeito, enquanto o Estado brasileiro labuta por cumprir o Pacto de San José da Costa Rica,  o judiciário, embora membro do Estado, lúcido e justo como o é não faz sombra aos direitos humanos, pelo contrário, com a sua grandeza e poder independente,  faz luzir a reflexão, o arrependimento e a esperança de dias melhores para quem, por tropeço ou não, tenha praticado ilícito: eis a primazia da justiça restaurativa, eis a oportunidade de se resgatar o indivíduo. Por sua ressocialização, a justiça luzirá no fim”. 

Encerro com as palavras do eminente Dr Fragoso:

“A prisão constitui realidade violenta, expressão de um sistema de justiça desigual e opressivo, que funciona como realimentador. Serve apenas para reforçar valores negativos, proporcionando proteção ilusória. Quanto mais graves são as penas e as medidas impostas aos delinquentes, maior é a probabilidade de reincidência. O sistema será, portanto, mais eficiente, se evitar, tanto quanto possível, mandar os condenados para a prisão nos crimes pouco graves e se, nos crimes graves, evitar o encarceramento demasiadamente longo”. Heleno Claudio Fragoso in “Lições de Direito Penal – A nova parte geral”. Rio de Janeiro, Forense, 13ª Ed. 1991, pág. 288.

27/09/2016

A NORMA NUA

                     
Norma ainda não estava nua, pelo contrário, revestida de uma beleza sem igual,  andava pela rua, em zigue-zague. Acabara de chover, mas um calor intenso insistia em sua natureza exposta.

Alguns curiosos a olhavam e gargalhavam.

Ora ela chorava de pesar, ora ela sorria de esperança... e continuava no seu andar em zigue-zague, em praça pública.

Aumentava cada vez mais o número de pessoas ao seu redor, mas Norma não se importava, pelo contrário: queria mesmo que todos a seguissem.

Até que por aí passava um advogado, esbaforido, suor a escorrer na face, gravata meio torta, paletó na mão, pasta na outra, há apenas cinco minutos do tempo que lhe restava para protocolizar o Recurso no qual acreditava porque com muito esmero o concluíra: ética, argumentação, fundamento e justeza.

Passou e a olhara apenas com rabo de olho, dera mais uns passos e repentinamente se voltara.

Ó senhora linda, também está aqui!

Norma lhe sorriu, ainda mais bela, e se achegaram.

Que bom reencontrá-la para o povo, vez que não somente eu a carrego comigo, disse-lhe o advogado. Em seguida, pôs a mão na pasta e acariciou o couro reluzente.

A multidão bradou:

Olha o doido! Agora são dois  doidos!

Foi quando o advogado rasgou de vez a roupa de Norma. E ela lhe abriu mais os braços e o abraço se tornara mais forte.

A maioria, extasiada, passara a aplaudi-los. Sobremaneira, pela coragem de estarem a praticar ato tão condenável pela parte incauta da sociedade hodierna (?).

Eles estão praticando um crime! Vamos prendê-los! Chamem a polícia! Bradou a minoria. 

A polícia chegou, mas incompreensivelmente para os presentes, passara também a aplaudir os dois supostos agentes de ilícitos. Ato contínuo, Norma sorria. E sorria e sorria... e os dois se amavam, muito mais, ela e o advogado, aí, mesmo.

O defensor do Direito olhava em seu relógio, mas não se desgrudava da mulher. Até que, após o devido ponto final, falou em seu ouvido: vem comigo, Norma! Colocou seu paletó sobre os ombros dela e caminharam para o destino dele.

Surgira do nada um uníssono, todo vestido de preto, com dentes reluzentes por conta do ouro, que assim bradou: Vou prendê-los no inferno!  Aqui, não servem pra nada! Vou prendê-los no inferno! Repetiu.

Não!!! Deixa ela livre!!!! Retratou-se a minoria.

Então, só vou prender ele, que não tem princípios! De Novo o uníssono.

O advogado, calmamente, argumentou:

Senhores policiais, sou advogado e só tenho trinta segundos para passar por aquela porta. E lhes apontou o Fórum. Prometo-lhes que depois da audiência de instrução, volto aqui e se assim entenderem ainda poderão me prender em flagrante! Mas sabem que sairei livre na audiência de Custódia.

Ao que os policiais, responderam em coro: flagrante, nada! Sabemos que os Doutores não esquecem os Princípios! Ademais, advogados devem mesmo comer as normas, mesmo em praça pública, Doutor.

Corta! Disse o diretor. Valeu, atores! Boa interpretação da Norma!

A cena foi pro ar na novela das nove e o acussado saiu solto.

16/03/2016

POEMA À DEMOCRACIA

Ah, Tu à gente nova que não viveu um só dia negro, 
Que não é dada a Oliver Cromwell, a Jacobinos...
Ah, Tu à gente lhana que parece se dera ao pelego,
Mas que também Te merece, ainda não a seus hinos...

Gente que finco'esp'rança n'alma de quem fosse a desgraça
Ou o mal, mas idolatrado, visto como bom, irmão e patriota,
Jamais corvo a rasgar a alma de quem lhe confiou o faça!
E de tão mau enlaçasse a nação e a fizesse parecer idiota?

Não! É essa gente lhana a que Tu hás de  sempre querer, 
Não a um traidor que salgasse a cama do Brasil-criança,
Porque Contigo em cada um de nós, num eterno merecer,
Fazemos a Pátria prometida que a partir de hoje avança.

Saiba Tua gente pelo Deus de certo amada,
Mas deveras tão dotada de inocência!:
Eu já alimentei o Teu amanhã, e não sou nada.
Sim, um dia fui viril na ação, e não pedi clemência,

Sofri, mas não quebrei um só galho das nossas rosas,
Procurei tanto crescer em Ti, ó mãe Democracia,
Envelheci, mas cantei aquela canção, fiz versos e prosas,
Denotei, não sei, mas não deixei a Pátria de Ti vazia.

Eis porque peço por Ti à essa gente irmã, 
Vez que o mal é um rio que parece o Don,
"Corrige o teu erro, por teu amanhã,
Abre a goela e avança ao front

Das ruas e marchando em paz, 
Cantando o sonho em sua verdade.
Vai! Pratica agora o que A satisfaz:
A Sua essência pura de Liberdade!"



09/02/2016

UM CONTO DE CARNAVAL


Escrever é muito gostoso! Sonhar, também! E às vezes, sonha-se cada coisa! O que uma caipiroska de laranja lima da pérsia não faz! No Carnaval, talvez mais.

Na noite passada, sonhei que estava a dar uma palestra na FIESP (agora é que não vai me convidar, mesmo), sobre carga tributária excessiva no País.

Eu dizia que é falso pensarmos que trabalhamos cinco meses no ano, apenas para encher a barriga do faminto estado brasileiro. Que isso é paradigma e precisa ser quebrado!

Isso mesmo. O meu sonho me proporcionava — a considerar que sempre temos menos coisas boas vindas do Estado —  que ficaria quebrado o já dito paradigma de que trabalhamos cinco meses por sustentar quem ou o que já se sabe quem ou o que seja, trabalhando-se somente três meses. Paradigma quebrado em nome da cidadania, ora!

Não abordava sobre inaptidão de seus agentes para administrar a coisa pública, desvio de valores como mentira e corrupção...

Focava apenas no axioma ‘como, data vênia, sumulado pela grita nacional’, esse mal que não é de hoje: de as classes empresarial e operária darem seu suor por alimentarem agentes políticos ululantes: não somente no sentido da evidência, mas também como no comportamento dos lobos, principalmente quando novamente estão famintos. Por que não?!

Também: conforme a máxima nacional, o País só deslancha, mesmo, depois do Carnaval. O que significa dizer, a partir de março. Logo, nosso ano-calendário deveria incidir para efeitos de apuração tributária, apenas sobre 10/12 avos, não!? kkk

Ainda, que fosse mesmo engano da Receita. O cidadão só será, mesmo, vigiado se movimentar acima de dois milhões, de euros, por dia. kkk

Por fim, no sonho, eu era candidato a deputado federal.  Acordei rapidinho! Porque amo meus compatriotas e não me conheço em legislando.

Como diria Aristóteles “pode ser e pode não ser”. Eu, particularmente, acho que pelo que entendo de axioma, é.  Ou acabei de inventar esta estória. Sou apenas escritor.




31/01/2016

ONTOLOGIA POÉTICA DOS TEMPOS ATUAIS

Quando eu nasci, cheguei todo lambuzado de margarina.
Disseram que eu era um pão.
Já com alguns meses de vida e de unhas crescidas,
disseram que eu era um gato.
Fiquei mais velho e passaram a me chamar de boy.
E a medida que o tempo passou, trocaram esse apelido por gordo.

Na verdade, passaram margarina no meu pão e comeram tudo com suco de preconceito,
Mataram a pauladas aquele gato e agora me acham um chato.
A final, o que esta sociedade quer das nossas crianças?
Inteligência não é adquirida?
É possível distinguir o conceito de vida entre homem e animal?
Educação não é imperativo?!...



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EU SEI, MAS NÃO DEVIA


                                               Marina Colasanti, 1972.
Eu sei que a gente se acostuma.
Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra     vista que  não as janelas ao redor.  
E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. 
E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas.
E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz.
E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora.
A tomar o café correndo porque está atrasado.
A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem.
A comer sanduíche porque não dá para almoçar.
A sair do trabalho porque já é noite.
A cochilar no ônibus porque está cansado.
A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra.
E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos.
E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz.
E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir.
A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta.
A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita.
E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a ganhar menos do que precisa.
E a fazer fila para pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem.
E a saber que cada vez pagar mais.
E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes.
A abrir as revistas e ver anúncios.
A ligar a televisão e assistir a comerciais.
A ir ao cinema e engolir publicidade.
A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição.
Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro.
À luz artificial de ligeiro tremor.
Ao choque que os olhos levam na luz natural.
Às bactérias da água potável.
À contaminação da água do mar.
À lenta morte dos rios.
E se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. 
Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito.
A gente se acostuma para poupar a vida.
Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.  
(1972).

Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.

Fonte: http://www.releituras.com/mcolasanti_eusei.asp

Crítica ao texto:

O texto acima foi extraído do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09. 

Mas foi escrito em 1972, há 44 anos, portanto, e já refletia as amarras sociais a que o homem está preso. A sociedade aprisiona em convenções, cujas não resta ao homem obedecê-las, segui-las, se quiser fazer parte do contexto social no qual pretendeu se inserir.

Caso contrário, se quiser quebrar esse paradigma, elo de uma corrente impositiva, terá de romper com todo o seu meio familiar, por extensão com toda a sociedade que o cerca, por conseguinte com todo o sistema social, de modo que ficará segregado como ser humano, num mundo marginalizado e desprezível aos olhos da sociedade universalizada.

Embora é possível romper esses elos, é impossível fazê-lo sozinho. Mas somente um grupo organizado, forte, fortíssimo, ou seja, uma nova sociedade que faça força a esse sistema de aprisionamento, seria possível aplacar a força do texto de Marina. O que não existe e, possivelmente, não existirá. Todos sabemos que é assim que nos submetemos, mas não devíamos nos submeter. Encontrar a fórmula da mudança somente, mesmo, com novo conceito de educação. O que para tanto, infelizmente não se alcançará. A gente se acostuma para poupar a vida, que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.  
J. M. Monteirás

O MENINO E O TAMBOR

Eu era um menino que só sabia fazer barulho,
por isso aprendi a tocar tambor.
Acontece que um dia deixei o meu tambor na chuva
e ele se deteriorou.

Fato é que também me esqueci de como se faz barulho
e de todas as outras coisas que eu tinha na mente.

Tornei-me  vazio — um tambor sem som.
Mas quis aprender coisas novas.
Portanto, diferentes daquelas as quais eu esqueci.

Assim, buscara alguém que me pudesse ensinar algo muito diferente do que outros pudessem almejar e que me instigasse a reaprender o esquecido.
Significa dizer que eu  abrira a mente e que isso é efetivamente aprendizado, troca, querer ver adiante.

Eu era professor e tornara-me aluno, eu era sabichão e tornara-me altero.
Eu era aluno e tornara-me professor com outro professor.
Agora, lhes abro o meu corpo, mente e emoção...
Como em troca de informações, por ainda nada sabermos.