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09/12/2013

COMO CARTA DA SUA PARTEIRA AO CANTOR REGINALDO ROSSI


POR QUE ALGUMAS PESSOAS AMADAS CARECEM DE MAIS PRUDÊNCIA

(Como carta da sua parteira ao cantor Reginaldo Rossi)

Por mim, aquele menino que queria ser cantor e ficava a te admirar, tu de camisa azul clara de mangas longas caídas e desabotoadas nos punhos, recebendo a gravidade de uma bolsa marrom,  a tiracolo,  na porta da velha TV TUPI, início dos anos setenta).

 By J. M. Monteiraso

Ao nascermos, somos anjos,  recebidos de bruços,  como quisessem ver as pontas das nossas asas.

Mas logo nos lascam uma palmada nas nádegas arroxeadas, só por nos verem chorar, como se anjos chorassem.  A palmada, por vezes vem-nos tão forte, como se o obstetra, ou parteira, achassem que somos super-heróis.

Acontece que choramos, pois não somos anjos celestiais, mas, sim, ainda terráqueos.  Ainda, porque alguns ascenderão ainda em vida, enquanto outros, possivelmente,  após a morte, saliente-se.

Salientar significa tornar saliente, ou tornar-se tal. Claro que neste caso, uns tornam-se mesmo salientes: se lhes batem seguida do imperativo ‘chora!’, eles choram, só pra não apanhar mais. Se lhes batem seguido do vocativo ‘canta nenê!’, eles de tão salientes fazem a todos sorrir, assim: neste corpo meigo e tão pequeno, há uma espécie de veneno, tão gostoso e provar...

E o tempo passa, o menino vai crescendo, diz-se quente, acha-se um pão (gato), exige doutros deixar de banca, afirma que não presta mas sabe amar, ama a namorada do amigo, fica meio valentão... mas surge com estes versos: Ah! Que tristeza dá relembrar o dia em que a alegria me disse adeus.

Pudesse estar aí, agora, dar-te-ia  primeiramente uma palmada neste bumbum em repouso, depois um abraço, primeiramente raivoso, como a punir-te pelas imprudências, depois mais um aperto,  gostoso, por teu retorno ao convívio de quem te ama.

Algumas pessoas amadas carecem de mais prudência porque mesmo com tanto carinho que recebem mundo afora, desconhecem o segredo do cofre desses que lhes querem bem.

Toma juízo, meu garoto saliente!  Não precisas agir assim,  ganhar colo e comidinha numa cama de UTI é, neste momento, relevante; embora saibas, é bom reiterar que és amado e por isso tens o dever da prudência e a sabedoria de que teu íntimo não machucará a alma dos teus fiéis.

Vieste ao mundo para cantar e alegrar, ser saliente sem ser imprudente. A culpa é da nossa sociedade e logo também tua se não estás de pé, agora,  para receberes a louvação do teu auditório.  Reflete e volta, amanhã, com como o encanto dos recém nascidos, sem os vícios dos adultos, porque até esta velha tua parteira estará ao teu lado. Com a graça de Deus.

Volta e refaz a letra daquela canção: toda a alegria que eu sinto agora só pôde acontecer porque a felicidade trouxera quem me  ama ainda mais pra mais de mim:  o público.

Abraço, amigo.

................................................................................................................................................................ Pois é, não deu, amigo, o inevitável sempre vence. Descanse em paz. Quem sabe, não viramos mesmo bebês, por nascermos de novo. Descanse em paz!

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