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18/02/2012

POESIAS e MÚSICA PARA A ALMA

Algumas, extraídas da obra Pingos do Meu Pensar, deste mesmo autor.

1.
 POEMA DA RECEPTIVIDADE
(inspirado na obra fotográfica de Adenor Gondim)


Estás cansado e triste,
toma a nossa Bahia por um fim de semana,
e se quiseres, fica.

Apagado todo o mal de ti,
abraça cada irmão que encontrares todas as manhãs,
canta qualquer boa canção que te vieres à mente,
e se não tiveres mais canção pra cantar, inventa as tuas,
porque as cantaremos juntos.

Se ainda assim sentires saudade do teu solo,
parte, porque  solo é sagrado!
Mas leva a nossa saudade de ti,
pois aqui acolhemos os bons, por dividirmos a nossa felicidade,
e os aflitos, por curarmos as suas doenças.

Também ora sempre por nós,
porque oraremos sempre por ti
e também por tua volta.



2.
SPLEEN I
Em Homenagem a Carlos Drumond de Andrade. Inspirado no poema A flor a e a Náusea, 1945.      Da obra: A Rosa do Povo

Reabastecido o carro, melhor aquela
Lavadinha, não gratuita como se pense,
Por conta do combustível, talvez, adulterado.

Quem morre de acidente de carro,
Chegasse ao Céu assim: tão desligado e saudável, ao volante,
Entregue à sua estação de rádio, entre nuvens de sabão e arco-íris,
Rodeado de uns com’anjos com mangueira e de outros com pano branco nas mãos.

As meias remendadas
O coração em greve
A cabeça na conta corrente...
A tarde preguiçosa
Nem o Sol inclemente se aguenta
Os pedreiros dormem
Os guardas de trânsito somem
É meio-dia de segunda-feira.
Se eu morresse agora...

Mas quem sabe já não morri, mesmo:
Morri de lasso
Das coisas do cotidiano
De alguma doença secreta da alma.

"E que morte: quarenta anos e quase nada escrito, nenhum problema resolvido, sequer colocado.*
(Sinto a dor de estar passando pela vida e ver vidas comprometidas com atos ditatoriais, trago a dor de estar passando pela vida e com nada de proveitoso ter contribuído. Escondo que em menino era cientista e queria curar todos os males com o fruto da mamoneira).  Ainda nem li todos os clássicos".
No original de Drumond é:  Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado*.
Quero o mundo uma esfera de verdades
Quero o mundo imbuído de sintaxes
Quer’um mundo de matemática, exato!
Quero o mundo justificando o mundo.

“Um médico, por favor, é coração”.
Roga a moça que me oferece um cravo branco.
“Há só eu, mas sou veterinário!”.
E ri, e vem, já de bisturi na mão:
“Hãhãhã! Está morto. Este não amou os animais antes dos homens. Deus relevará?”
Ele morreu de quê? - pergunta o coveiro ao padre.
“Não sei. Nem quis saber. Apenas lhe dei a extrema unção”.
“Morreu de morte, ora!!!”.
Gritam uns homens que passam, uns de negro, outros de fogo.
E ouve-se suas tantas vozes, e as por último vêm assim:
“Nunca plantou uma flor!”
“Roubou verso de morto insigne!” *
“Não devemos enterrá-lo, pois!”
“Ninguém leva bens materiais!”
“Deus não o relevará!"
"vai arder conosco!"
“Então é melhor comprarmos mais!”
“Voltaremos daqui a pouco!”
“Traremo-lhe também um caixão vermelho!”.

Se morri de preguiça
Melancolia
Infarto...
Por que não deixei pra morrer no próximo domingo, nos braços da Fiel,
Após ver São Jorge vencer mais um dragão
E ser aplaudido por todos os demais santos?...
Talvez, logo após aquele gol de Ronaldo em Fabio Costa!?
Morri num dia chato, mesmo
Em que se morre do vazio:
Da falta de inspiração
(Que é a falta do tudo)
Estado em que se morre só.

Agora me vejo a contemplar os que me derrubaram
E me derrubaram pelas costas,
Quiseram pisar em mim
Mas não sou pessoa de se deixar vencer
Exceto pela luta lídima, a da boa argumentação...

(*Estes eram degraus para mim. Servi-me deles para subir e precisei então passar por cima deles. Mas pensavam que queria aquietar-me sobre eles. Nietsche in Crepúsculo dos Ídolos ou Como Filosofar com o Martelo. Turim. 1888.)

Mas não é estranho que me veja morto
E uma a uma as minhas células
Cadeias ganhas em supermercados
Semeadas pelas ruas por onde passei
Onde me multiplico e vejo solas de sapatos.

Em vão seriam lamúrias
E o tão não muda os meus sorrisos
Então substantivo, só eu me modifico:
Matei o passado, eu sou o futuro
Eu sou girassóis, mas ninguém me vê.

Ressuscito por conta do susto
Provindo do toc! toc! no vidro do carro,
E das gargalhadas de uma coorte moteja
Que se curvara ao Amor e ao seu ofício
E me vira morrer da lembrança dela,
Ela que um dia trancou meu coração.


3.
FULGURAS

Não sei ao certo o que vejo agora lá no céu...
Ah, tua língua mais me contará...
Mas, de certo, uma inolvidável nuvem azul
Repousará amanhã naquela mesa
À mesa em que sentaste
Onde choveras em mim pingos de estrelas brancas.
Tu agora música em minha vida
E a mesa à espera de mais fulguras.


4.
AOS CIENTISTAS

Os cientistas perdem suas noites de sono por nos trazerem conhecimento, mas nós de pouco conhecimento nem lhes levamos cobertores. O saber é do conhecimento e é mais importante que o homem, posto que o homem se torna importante com o saber — que é da educação —; para tomar o homem suas decisões mais importantes é preciso saber e, se bem decidido, eis o legado do aprendizado. O saber sempre nasce dos professores, dos mais graduados e dos mais elementares, igualmente honoráveis servidores do nosso futuro.”

Aziz Ab’Saber
César Ades
Azuis.

Mas onde nasce o saber?
César há de dizer
Com a sua Psicologia.

Então, saudade dos dois.
Sau... sal... sal no corte?
Não!

Mais estudar
Mais saber
Mais dizer

Mais azuis no mundo.


                  
5.
ROMÃ

Meu coração, teu presente,
Como ID que bate e sente;
Tu, amor que dilacera e dói,
Romã ímpar, sem acento no i.


6.
A COR DO DEUS

Às vezes, é impossível criar sem uma lágrima.
A minha é rego do meu insistir,
Como o fosse em busca de uma 
Semente azul de inspiração,

Qual mesmo que se invoca e me vem,
Por dizer-me que eu diga
Que só existo quando crio.


Quando o azul, que é lindo, chora, fica magenta
E mais e mais se lhe dá: Revelação!

Eis também que se me abre como riso celeste
À fantasia dos meus olhos que se acham nessa hora
Também reveladores da cor que é só do Deus.
Eis o meu tempo de ‘colorar’ tudo que me cerca.

Mas quando nu de vaidade, sou inverso,
Porque o gênio ao sair de mim, sempre me costura
(Ai! Volte logo, como sempre, de madrugada!)
Intimo a insistência a cavalgar em um iluminado
E sutil também saio de mim, pra ir à loucura,
Também à janela, depois ao espelho,
Por pentear-me mirando a lua.
 


Nesses meus atos só dou as costas à Musa
Pra ser da outra, a pecadora...
Porque escrever é ato solitário,
É como fazer sexo com a imaginação,
E, contemplando-se, ninguém chora.


Balanço-me ante o frio, ante a angústia,
Parceiro do azul, preso ao frenesi,
Mas o que solta um preso: o grito infame!

À cavalgadura do eco sem alazão: O verso!
Enquanto o gênio que mora em mim retorna

E me atira sem asa delta do alto da serra do Orobó.



7. COMO ACORDAR FELIZ


Ele vai ao labor todo feliz e pensando assim:

"...e quando ela vira compasso: abre as hastes;
briga com o Botox: enruga a face;
repudia o batom: lambe os beiços;
vira ginasta: contorce-se;
perde a linha alimentar: não se contém na gula e sempre quer mais...

 Ah! E o depois, que maravilha!
Ela se vira de costas e se encaixa no nosso côncavo; safadamente, parece ...esparramar o cabelo em nossas narinas, para que seu homem sinta quem realmente manda;

Mas depois, quando sutilmente levanta o mesmo cabelo e expõe a nuca, quer mesmo umas mordidinhas e que de mandar passe a ser mandada: é quando já acha que ele está recuperado para o segundo tempo da partilha. Isso mesmo, partilha.

É a leoa, sempre sustentando o reinado do seu leão.
É a amante, fazendo seu parceiro feliz.
É tão bom contemplá-la em seu sono, em sua posição convexa."

Deixara-lhe um bilhete: bom dia, querida, feliz quarta-feira! Ao acordares, pega a tua rosa.




8.
A ORIGEM DO AZULEJO

Eu não deveria responder a você
Que por certo, por não saber
Riu da minha parede
Como o fizesse da minha cervical.

Tenho ao fundo azulejos inacabados
Porque vivo a vida em construção
Escolhi a minha ala dos namorados
Donde falo com o meu amor.

Rebrilho a permanência
Tal como o lúdico de expressão
Em que se não vê verso
Cegue-se por ver  beleza.

Eu não deveria responder a você
Que por certo, por não saber
Riu da minha parede
Como o fizesse da minha cervical.

Mas fique calma, não me ofendeu
Com sua anti-cultura envenenada
Fê-lo, sim, aos azulejos mitológicos, aos arquitetos...
Ao Camões, à arte conservada

Também, de certo, à minha raiz
(Eis que não devia beber de tanto mal)
E a si própria, pois bem o quis.
Sou europeu, de Portugal.

9.
A SEREIA E O CÃO

Praia, fim de tarde...
Ah, que bom momento!
No arrebol o sol não arde,
Mas vem engarrafamento.
Mal, não!... Da janela dos carros 
Também vê-se um vazio na areia
Até mesmo um solitário cão 
A ir-se de políticos parvos
Por só parar pr'uma sereia.

10.

QUANDO O AMOR CHAMA

“QUANDO O AMOR CHAMA
A PESSOA VAI, FICA E VOA
MESMO SEM ASAS E CLAMA

PRA CHEGAR LÁ COMO À TOA”.

CANÇÕES

1.
JARDIM SUSPENSO
(Flores)


Quando eu dormir
Por favor, mantém a luz
De que dependa a nossa Primavera
Hei de sonhar que tenho os pés nus
E que estou a te esperar
Num levitar entre Gardênias, Verbenas, Avencas...


Vem cá, dá-me um abraço
Fica perto de mim
Não quero ver chuva dos teus olhos
Quando o tempo me fechar
Vou querer de ti o que sempre foste:
Pingos miúdos, ó amizade, de lembrar.

Gardênias, Verbenas, Avencas...


Que bom querer seja em teu colo
Ganhar eu um instante assim
Como ainda me fosse consolo
Ouvir  teu inexistente coração
Poder te ver por dentro
E tão dentro de mim
Então cobre com teu seio o centro
Do autor desta canção
Centro, o mesmo que destino

Sou este menino que ora não parto em vão

Porque o nome de flores
Como Flores tenho por Estação
É também de amizades e amores
Deixo-lhes o coração.

Gardênias, Verbenas, Avencas...



2.
PIRAPORA

(Sinais)

Tem um jeito especial,
Um quê de Pirapora,
Sorriso angelical,
Batom lembrando amora,

Nos olhos um mistério
Pronto pra se desvendar,
Deve-se levar a sério
O que a vida venha a dar:
Sinais de que é possível compreender
Não só o evidente, mas o ambíguo,
O ser ou não ser...
Me levam a um mergulho no que digo.

Abro o corpo, a alma, a esperança
Corro dentro de mim, corro pra não fugir
Corro mais veloz que quando criança
Mais audacioso por me alcançar e cognir.      

Aspiro o cheiro dos campos,
Converso com cada flor;
Corro à sombra nos cantos,
Convido o amor,

Solto a luz que vara grampos,
Mas que mantive em meu papel,
Faço festa com pirilampos,
Antes de ir-me à boca dela de mel

Fazer chuva cristalina e arco-íris.
Ó céu!


3.
ATITUDE


Ainda não chegamos à oclocracia
Longe disso acontecer
Minha Pátria ainda ontem era um ovo
A luta é por amadurecer a nossa democracia
Mudar essa gente e as pessoas para povo.

Não se desanime, parceiro
Na vida se deve correr atrás de tudo
A verdade não tem as pernas da mentira
E ninguém disse que surdo é mudo.

Tudo é possível de ser mudado:
Doença, trabalho, vício, paixão...
O meio de vida de cada qual
O controle inexato da emoção.

Até mesmo a dona da foice
Pode ser convencida a adiar
O seu plano.  Fora de hora,
Pra quem insiste em aqui ficar.

Já que se inventou o Céu
Pra quem viveu com esmero
Invente-se também a felicidade
Pra quem ficar fora dele, espero.

Poeta não vai para o Céu
Também não vai pro escuro
Poeta é dócil e cruel e mora na letra
Nunca em cima do muro.

Quero dizer que tudo põe no papel
E quando desce a ladeira
É pra escalar o K2
Poeta tem a cura pra tudo
Mesmo pro que venha depois.
Repito que tudo põe no papel
E quando desce a ladeira
É pra escalar o K2
Mas  a cura é pra quem se vê no papel
Mesmo pro que venha depois.

E só põe tudo no papel
Porque acredita que o inferno é aqui
E aqui mesmo é o Céu.
Por ora, sem nada por escalar,
Basta ocê respeitar o meio ambiente
Para o poeta se calar.

Que mundo pronominal é esse
Que fala mais do que dá ouvido?
Tem “um que” de interrogativo,
Ou de sacana-relativo,
Por vezes,  conectivo?

Você se diz cidadão
E nos dias de hoje isso se chama mérito.
Então não duvido
Que usa a água e a energia elétrica
Com o mesmo critério
Com que usa o cartão de crédito.

Agora, me conte como usa o seu cartão,
Caríssimo cidadão:
Se é obrigado a parcelar compra de supermercado
E gasta mais que 5 minutos pra lavar a alma.
Pra tudo Isso, só o Estado e você têm a solução.



4. 
AFRODITE

Perdoa-me pelo jeito indiferente
Gente tem problemas por resolver
Pensa muito mais em si
Do que possa parecer.

Logo, logo, telefonarei
Pra gente por o papo em dia
Mas antes te mandarei
Rosas rubras e um convite
Que para a minha alegria
Certamente dirás:  bravo!
Se sentirás como Afrodite
E mandarás de volta cravos.

Num cantinho particular
Hei de brincar com as digitais
Sobre teus lábios na boca entreaberta
E a dançar a dança do avança mais.

Já te vejo envergonhada
Quando eu provar do teu batom
Com o meu beijo anunciado

Testemunhado pelo garçom.


5. TEMA DE CURITIBA
                                 Do ano de 1974

Meu amor é Curitiba.
Meu amor é Curitiba.
Meu amor é Curitiba.

Vem, traz o belo pro quintal
Recebe o Sol, que abraça a Lua
Cumprimenta o vizinho
Que passeia com o velhinho
Lentamente pela rua.

Menino abriu a gaiola
O canário foi voar.
'Menino, não é segredo
Mas você não tem medo
De ele nunca mais voltar?'

‘Não, moço, sei que ele volta
Mas pode até ficar lá em seus ares
Daqui lhe enviarei bilhetes
Através dos meus foguetes
Feitos com amor e néctares’.

Meu amor é Curitiba (repete 3 vezes).


6.SUFRÁGIO
               Outubro de 2015.

"Sou leigo, tão pequeno: não entendo certas poesias que engolem vírgulas...
Quem elegeu o verso impuro?"